11/09/11

UM ÚLTIMO GOLPE DE MESERICORDIA

Foi num Domingo. O Ano não tenho a certeza, mas decorriam os meus 22 ou 23 anos de idade quando me enchi e coragem e decidi acabar com uma vida. Dirigi-me à igreja num Domingo à tarde, assisti à cerimónia religiosa e entre cânticos e orações reforcei a minha decisão. A minha vida religiosa ía morrer naquele dia. E não era eu que a ia matar. O «criminoso» eleito era precisamente aquele que por profissão, vocação de dedicação a devia preservar a todo o custo.

É verdade que a minha vida religiosa, ou fé, como preferirem chamar-lhe, já estava em coma há alguns anos. No dia em que saí do seminário para o primeiro dia de férias no final do segundo ano, golpei-a com tal violência que ela nunca mais se levantou dos cuidados intensivos e só muitos esporadicamente dava sinais de vida. A minha vida sexual tinha-lhe posteriormente desferido golpes tão profundos que seria quase impossível voltar a sair do coma. mas como de vez enquanto me sentia incomodado pelo facto de não estar morta, mas apenas moribunda, decidi procurar o pastor da minha igreja para lhe pôr termo definitivo.
Terminado o culto dominical disse ao pastor que desejava falar com ele. Como é lógico um pastor nunca perderia a oportunidade de resgatar uma ovelha tresmalhada. Eu sabia que esse convite seria irrecusável. Havia meses que eu não punha os pés na igreja. Depois de despedidos todos os fiéis, subimos ao primeiro andar.
- Pastor vivo há algum tempo num dilema que não consigo resolver. Deixei de frequentar os cultos porque não consigo conciliar os meus desejos sexuais com a minha fé. São incompativeis e irreconciliáveis - desferi sem rodeios. Na época o pastor da minha igreja era um americano simpático e afável, bom ouvinte, mas fraco advogado e sem o dom da palavra. Deus não escutou as minhas orações durante todos estes anos e a minha fé no seu poder de mover montanhas caiu por terra, disse eu, rodeando a questão. Ficou sem palavras. Queria que eu fosse mais especifico.

Desde os 13 anos que eu orava todas as noites para que Deus extinguisse as minhas inclinações homossexuais e não me dixasse cair em tentação. Apercebi-me que Deus não devia gostar dos meus pensamentos para com os rapazes quando vi uma sessão que mais parecia uma cena do «Exorcita», sim do filme da menina possuida por um demónio: dois pastores e um diácono da igreja impuseram as mãos sobre um jovem que frequentava a igreja, como se ele fosse possuido por um demónio que dominava o seu corpo. Pediam a Deus para o curar. Ele era apenas homossexual. Nunca o tinha ouvido falar com a voz rouca ou rodar a cabeça duas vezes no mesmo sentido! Eu assisti àquele espectáculo, que hoje considero deprimente, incrédulo! Que situação tão humilhante para aquele adolescente. Mas se era assim tão fácil então eu seria o próximo. Percebi que eu também me devia submeter àquele ritual e assim acabar com os pensamentos impuros que me atormentavam, desde há algum tempo. Mas pelo sim pelo não decidi esperar pelos resultados... Como aqueles três homens se arrogavam de ter poderes para anular a inclinação sexual de alguém, dada por Deus, digo eu, hoje.

Desde o dia em que percebi que era o corpo masculino que me excitava que passei a pedir auxilio divino naquela batalha pessoal. Foram anos a fio em que fiz tudo para Deus para anular pensamentos impuros e me tornar igual a todos os outros. Eu tinha fé que mais cedo ou mais tarde tal iria acontecer. Afinal estava na Bíblia. A fé move montanhas. O meu problema era apenas um pequeno monte. Ele podia removê-lo da minha adolescência feliz. A Deus nada é impossível, pensava e acreditava. Foram sete anos a acreditar nisto. Deus não gostava de rapazes que desejavam o corpo de outros rapazes logo ele ia fazer com que isso terminasse, mais cedo ou mais tarde.
Até ao primeiro ano de seminário resisti à tentação com uma única excepção, de que ainda hoje me arrependo. Mas essa excepção deu-me força para continuar a desejar a intervenção divina. Até que cheguei ao seminário e aí tudo se tornou mais difícil. As raparigas rodeavam-me como abelhas à volta do mel. Eu tentava evitar o constrangimento, mas a teia apertou-se demasiado e eu cedi. Depois havia um colega de seminário que não me saía da mente sobretudo à noite. Deus não fazia nada: recorri a um psicólogo que me disse que se eu desse uma quecas com uma rapariga isso passava. Quando percebi que nem o cheiro da jovem pretendente conseguia suportar e beijá-la me causava náuseas percebi que o psicólogo estava errado e Deus não queria saber de mim. Começou a surgir na minha cabeça a ideia simples e prática que se Deus não fazia nada é porque me queria assim tal como eu sou. Afinal eu não tinha escolhido a minha inclinação sexual porque razão ele não me havia de aceitar, tal qual eu era?

Expliquei ao meu pastor tudo isto. Ele ouviu-me com toda a atenção. Depois, como se fosse o conselho mais natural do mundo, disse-me que se eu não praticasse o acto, não pecava e para Deus estava tudo bem assim. Precisava manter a minha fé e continuar a orar diariamnete para isso acontecer. Deus odeia o pecado, mas ama o pecador, repetiu várias vezes. Eu só devia manter-me puro. Aos olhos de Deus isso era suficiente. Eu sabia que estas iam ser as suas palavras. Eu era benvindo à casa de Deus desde que renunciasse a uma parte essêncial da minha vida. Bastava ficar quieto,  abdicar da minha sexualidade. Bastava enfrentar diariamente a frustração, vegetando sexualmente para que tudo estivesse bem?
Então Deus não quer ou não pode fazer o milagre? Eu estou convencido que Ele não tem interesse em fazer esse tipo de milagres? Senão porque faz nascer pessoas assim, se não as tolera?  Irmão, ainda me tratava por irmão, basta que não dê asas a esses pensamentos pecaminosos que tudo está bem para Deus. Na sua voz senti que tinha desistido de mim. Repetia apenas este fraco consolo, se eu não desse uma quecas homo não havia problema. Só pensei, para mim: sim e o que vou fazer até lá? Este lá era o dia da minha morte. Ia ajudar velhinhas a atravessar as passadeiras? Ia escrever sermões homofóbicos inflamados e pregá-los do púlpito da igreja? Afinal já tinha dois anos de estudos para os fazer? Ia fingir uma vida normal?

Ora dar uma queca era coisa que não me saía da cabeça desde que abria os olhos até que os fechava, tal como passados muitos anos. Missão impossível! Dentro de mim algo sorria. Eu já sabia que era este homem que me ia definitivamente libertar da minha consciência religiosa. Agora ele tinha acabado de a matar sem dó nem piedade. É verdade que eu quando fui para esta conversa já não era virgem, mas não tinha encerrado definitivamente esse capítulo da minha vida. Ali, naquele Domingo a minha fé na vontade de Deus que tudo pode, morreu. Ou melhor percebi que Deus não tem vontade de alterar o que fez de raíz. Se ele me fez assim é porque, definitivamente, me queria assim  e não de outra maneira. Nenhum acto de exorcismo podia mudar a minha sexualidade, nem a minha nem a de ninguém.

E que ninguém nem nada me pedisse para morrer sexualmente aos 20 anos, que para o bem e para o mal eu ia viver, não vegetar, pois é essa a vontade de Deus. Amén

1 comentário:

  1. Adorei ler estas suas histórias.
    Comoventes diria...
    Porque não "apimentar" as histórias das suas aventuras passadas, pois há, de certeza muita materia no sótão da vida, e muitas e boas recordações para partilhar connosco.

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